Maturação Infantil e Vínculo Afetivo

Por Renato Santiago Bandola

Psicólogo e Psicoterapeuta

PAI FILHO

O primeiro ano de vida segundo (NEUMANN, 1995), deve ser considerado uma extensão embrionária em que a criança depende totalmente dos cuidados maternos tanto física quanto psiquicamente. A mãe se constitui como um mundo inteiro, uma deusa ctônica. Isso é denominado, relação-primal mãe-bebê ou fase urobórica[1]. A partir de então a criança começa a se desenvolver até entrar no reino da cultura que envolve os costumes e a linguagem de seu grupo humano. Os passos dados em direção à cultura requer que a criança em desenvolvimento consiga lidar com certas frustrações como abandonar o seio materno e se arriscar cada vez mais para conseguir ser um ser social, portanto, em um primeiro momento ela ainda é parte do grupo, vivencia isso como uma identificação inconsciente ou participação mística[2].

Este estado de unicidade inconsciente é quebrado pela própria mãe ou falta da mesma na percepção da criança quando não a tem quando quer. O que acaba por expelir a mesma de um “útero” psíquico de proteção. Assim a criança experimenta um pouco da mãe terrível e é a partir daí que a criança começa a explorar seu meio apreendendo e conjugando sua percepção corporal e refinando sua psicomotricidade.

Na coordenação da língua e no balbucio das primeiras palavras em um jogo afetivo de imitação, a criança aprende noções de atuação no mundo. Após a separação entre mãe-bebê a criança passa por um período mágico onde ela tudo acontece sem que sua vontade seja determinante para sua percepção, pois nem sequer seus membros são seus por causa da falta de controle motor. Segundo Neumann (1995) nessa fase fálico-ctônica do ego a criança aprende a andar, seu Self é o corporal sendo a partir do controle das pernas na marcha.

A fase mágica é o momento em que a criança experimenta o seu ego com onipotência, como se tudo pertencesse a ela e é o momento do desenvolvimento completo do controle sobre o corpo no eixo cabeça-anus. A experiência de se parar de engatinhar no alçar-se para o autor inaugura o período antropocêntrico da fase mágica. É a partir do momento que a criança começa a se diferenciar em masculino-feminino quando ocorre a separação ou o primeiro impulso erótico de desligamento da mãe na fase mágico-guerreira.

desenvolvimentoinfantil

Assim se relacionar com outra criança ou aprender a solidariedade vendo o outro como semelhante é o passo fundamental para a entrada no mundo da cultura. Em todas as etapas do processo de desenvolvimento psicológico haverá um conflito de ordem natural sendo este inerente a condição humana. Porém, a questão para a maioria de nós se situa em saber, quando um conflito psicológico atinge o nível onde pode ser considerado uma patologia? Pois bem, muitos relacionamentos entre mãe e filho não evoluem em nossa sociedade permanecendo em um vínculo mãe-bebê. Tal relação quando se torna regressiva faz com que os cuidados da mãe enveredados a criança sejam sentidos como um entrave sobrepondo outro instinto que foi recalcado.

Para que a criança possa chegar a ser um indivíduo autônomo precisa (como em todas as tribos indígenas) de um ritual de passagem, uma situação que deve marcar o fim de uma etapa (Mágico-guerreira) e o início de outra. Eric Neumann (1995) chamou essa nova etapa de fase solar do ego marcando a entrada da criança no mundo patriarcal onde para conseguir ser amado precisa buscar o próprio valor nas virtudes de honra, coragem e caráter.

Sem essa transição a criança fica situada em um reino matriarcal terrível onde o vínculo materno já não produz influências positivas, mas muito mais negativas onde a raiva e o protesto tomam conta do campo vivencial da criança contra o social. Assim ocorre uma experiência de ligação desligada com a mãe, o filho serve aos propósitos inconscientes dela (compensando o amor de um homem), ela vive uma relação eu-isso com o filho e este reproduz essa mesma relação com o mundo social podendo beirar a psicopatia.

Antes de a nossa criança conseguir manter uma relação saudável com o mundo social, primeiro ela além de passar por um ritual de passagem para o arquétipo do grande pai, deve ter condições de realizar essa transição. Para isso é preciso que a mãe tenha tido uma boa relação com o pai ou esteja consciente do que provoca algum problema. Assim como nos mitos e lendas onde Maria intercede pelo filho junto ao Pai (Deus), também deve ser no plano vivencial.

A Mãe deve ter uma boa relação com seu Animus (masculino) no sentido de poder ser e passar para a criança a positividade dos valores do herói. Valores como coragem, determinação, disciplina, limites e aceitação dos seus fracassos. Para a criança sentir que pode fracassar, deve sentir que também será acolhida quando isso ocorrer, mas ao mesmo tempo deve sentir que se não caminhar com as próprias pernas sempre irá fracassar.

Tal desenvolvimento psicológico pode ser considerado como uma boa relação entre mãe e filho. Neste plano lunar-feminino a ideia de que podemos buscar e desbravar novos horizontes é possível já que sempre haverá um retorno a morada primeira. Já na fase solar da consciência em que o pai entra trazendo seus valores luminosos e racionais (onde também há o perigo de se perder em uma rigidez), a criança foge do fracasso, para conseguir provar seu valor diante do pai.

O amor de pai é esse, pelos valores espirituais e ético-morais. Quanto maior o caráter do sujeito, ou seja, quanto mais definido este for a suas escolhas e implicações com estas, mais amado será. Só após vivenciar essas duas dimensões, lunar e solar, a criança estará apta a lidar com a relação entre elas. Se alguma dessas experiências não tiverem sido realizadas suficientemente as relações se tornam dependentes e patológicas. Nos mitos e lendas essa fase é simbolizada pela árvore em chamas no topo do Sinai, quando Moisés precisa empreender uma subida (elevação aos ideais éticos) para provar que a humanidade merece ser amada. É muito comum nessa fase o pai ou a mãe ensinar a criança a ter palavra, não mentir e ir até o fim naquilo que diz e faz.

O conflito patológico é aquele que suprime as forças do ego, dissolve o mesmo e impede que a criança consiga manter sua consciência e orientação intactas. O Ego deve viver sobre conflitos não sob conflitos. Quando isso ocorre significa que para que haja uma ligação satisfatória, deve ocorrer uma vivência de reatualização das partes opostas da personalidade, ser possível viver um pai ou mãe que possam dar o que realmente faltou (o psicólogo serve muito bem a isso).

Se uma pessoa consegue se desvincular de outra vivenciando um luto temporário é possível dizer que esta, consegue lidar com suas ambivalências afetivas de forma saudável. Ou seja: “Ansiar pelo impossível (tendo) raiva desmedida, choro impotente, horror ante a perspectiva de solidão, suplicas lastimosas por compaixão e apoio…” (BOWLBY, 2006, p. 131.), sendo estes os sentimentos de uma perda. Se permitindo desorganizar e se reorganizar novamente, conseguindo a vivência do luto tal qual uma boa constituição em seus relacionamentos.

Isso é necessário a todas as pessoas para que possam superar a perda. Não só na morte, mas no distanciamento de um ente querido tal vivencia deve ser possível e expressa significando que se uma pessoa consegue se desvincular de alguém é porque há a possibilidade de um vínculo autêntico e maduro.

“O educador não pode contentar-se em ser o portador da cultura apenas de modo passivo, mas deve também desenvolver ativamente a cultura, e isso por meio da educação de si próprio”

Carl Gustav Jung

REFERÊNCIAS

BOWLBY, John. Formação e Rompimento dos Laços Afetivos. São Paulo. Martins Fontes. 2006.

NEUMANN, Erich. A Criança. São Paulo. Cultrix. 1995.

SAMUELS, A; SHORTER, B; PLAUT, A. Dicionário Crítico de Análise Junguiana. 1ª ed. Rio de Janeiro. Imago Editora. 1988.

 

[1] Fase Urobórica: Conceito utilizado por Neumann baseado no símbolo da serpente que devora a própria cauda e que nos mitos representam um estado de unicidade primordial onde tudo contem tudo, uma fase de caos primordial onde não há diferenciação entre externo e interno. Em termos psicológicos não há uma configuração das sensações em uma percepção central (ego), nem a experiência de eu-outro.

[2] Participação Mística: Conceito criado pelo antropólogo LÉVY-BRUHL e utilizado por Jung para definir um estado de ligação inconsciente entre mãe-bebê (SAMUELS, SHORTER & PLAUT, 1988).

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