O Fio de Ariadne: O Herói em busca de si mesmo.

Teseu

O Mito

O conhecido mito do Fio de Ariadne ou mais conhecido como Labirinto do Minotauro narra a trajetória de Teseu, um herói que salvou a cidade de Creta do terrível minotauro, criatura nascida da união de Zeus com a mulher do Rei da cidade, Minos. Assim o rei constrói um labirinto para aprisionar a criatura, mas só conseguia através do sacrifício de sete moças e sete rapazes a cada sete anos.

Ariadne filha do rei Minos se apaixonou por Teseu,filho de Ageu rei de Atenas resolvendo ajuda-lo a matar o monstro. Assim em sua jornada ao interior do labirinto entrega uma bola de linha dourada para Teseu, bola que ajudaria a entrar no labirinto sem se perder. Assim foi feito, Teseu encontra e enfrenta a criatura derrotando-a com uma espada mágica entregue por Ariadne e retornando ao início do labirinto. Ao fugir da perdição do labirinto Teseu vê a verdade quando descobre que através do cordão, o ponto de partida era a chegada!

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O Fio dourado representa neste mito a trajetória de descoberta psicológica que está além de nós mesmos rumo as nossas questões existenciais mais prementes. Assim é o processo de individuação descrito por Jung (1980):

“O sentido e a meta do processo são a realização da personalidade originária, presente no germe embrionário, em todos os seus aspectos. É o estabelecimento e o desabrochar da totalidade originária, potencial. Os símbolos utilizados pelo inconsciente para exprimi-la são os mesmos que a humanidade sempre empregou para exprimir a totalidade, a integridade e a perfeição; em geral, esses símbolos são formas quaternárias e círculos. Chamei a esse processo de processo de individuação”.

Desta forma o processo de tornar-se completo possui representações circulares como os mandalas budistas e cristãos. É bem interessante o símbolo do ouroborus ou a serpente de devora a própria cauda, um voltar-se para si que nos mitos é representado como um retorno às origens ou a morada natal como Sofia no mito Gnóstico onde sua ascensão simboliza o retorno da divindade a si mesma, no cristianismo atual, a assunção de Maria. Assim a mulher celestial que sobe retornando ao céu ou morada eterna representaria um retorno a si sendo a mesma conotação do ‘refletir-se’ no espelho ou o próprio processo de reflexão, insuficientemente entendido como pensamento dirigido. O Círculo pressupõe um retorno de nossa consciência atual de estado de coisas a uma dimensão mais interiorizada da vida, na psicoterapia tal experiência é chamada de circum-ambulação ou uma auto observação cuidadosa de todos os fenômenos que se dão em nosso campo existencial. Neste mito representado pelo labirinto circular!

 

imageO Ouroborus representação do sonho do Químico Kekulé que serviu de matéria prima para a ideia de átomo.

 

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Imagem pré cristã de Sofia.

 

 

O mito de Teseu demonstra a trajetória representada pelo pensamento labiríntico ou circular. O início se torna o fim! Na psicoterapia esta seria a experiência de “dar-se-conta” (insight) de que o inimigo estaria o tempo todo na própria interioridade do Herói, pois este precisou da Anima para salvar-se da perdição e não o contrário, sua alma o salvou! Ariadne ou a anima é o próprio telos (finalidade) da imagem mítica do herói que se vê perdido no labirinto.

O labirinto inverte a lógica diurna na lógica dialética onde o Herói é o meio pelo qual a Psique se utiliza (fio condutor) para negar o heroísmo colocando-o em pé de igualdade (mesmo nível) com o monstro (hybris). Pois o homem que afirma seu poder não se faz herói, pois não coloca em cheque sua posição onipotente, o herói pelo contrário se faz na subversão da hierarquia, ele desafia, assim como Aquíles e Heitor na mítica guerra de Tróia.

Este colocar-se em uma posição dialética é o motivo primordial da psicoterapia, a igualdade já é em si a vitória do herói sobre sua hybris, porém representa sua derrota em referência a Anima enquanto processo inerente ao inconsciente, ou o que chamamos de Psique. Todo herói é virtuoso e abnegado, desde que derrote seu minotauro, a inconsciência de sua Hybris (descomedimento).

O fio condutor não só o conduz ao inimigo mas também o leva de volta a sua alma personificada por Ariadne que “…sendo o ponto de vista da interioridade em qualquer lugar (…) converte os eventos em experiências [um movimento de transmutação de fenômenos em experiências de-si-para-si]” (DANTAS, 2009).

Muitos sonhos em que as pessoas se vêem perdidas em um território labiríntico possuem talvez o significado de que as mesmas necessitem de uma interiorização ou estão a mercê de um período de desagregação psicológica em que o fim último é um confronto aberto com sua inconsciência. O mito do herói prevê que a pessoa encontre um espaço onde possa entrar em contato com sua inconsciência de igual para igual mediada por um “fio”, para que não sucumba aos ditames e caprichos de sua vaidade e complexo de poder. Pois se sonha com a perdição, talvez se mostre como alguém orientado de mais, importante demais, iluminado demais. Lembrando que o minotauro é a vergonha oculta do Rei, sua sombra em ser traído por um deus, em não se reconhecer deus de si mesmo. O processo psicoterapêutico neste sentido se mostra como um lugar adequado onde nas palavras de Jung (2000): “O ego deve receber o mesmo valor, no processo, que o inconsciente e vice-versa”.

A Coragem do Herói não possui motivações pessoais, as mesmas não explicam seus feitos, pois estas se enraízam em uma base mais antiga e impessoal sendo ele apenas um instrumento de sua Alma. A experiência da Anima aqui, já é em si uma entrega, um colocar-se abnegado. Um sacrifício?   

REFERÊNCIAS

DANTAS, André. Psicologia Dialética: Uma critica interna a Psicologia Junguiana. São Paulo. Clube de Autores. 2009.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis. Vozes. 1980.

JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. Petrópolis. Vozes. 2000.

O Fio de Ariadne: O Herói em busca de si mesmo.

Um comentário sobre “O Fio de Ariadne: O Herói em busca de si mesmo.

  1. Muito esclarecedor seu artigo. Estou concluindo a pós em Arteterapia, e discorro sobre um estudo de caso, expressando justamente o mito do herói.
    As produções da cliente em análise, denota exatamente esse retorno para si, expressa seus enfrentamentos ante seus monstros. Associo também, sua em sua trajetória, ao fiar da teia como a aranha, o fio a conduz na reconfiguração de sua essência, suas verdades. Espero estar compreendendo a ideia. rs
    abraços.
    Miriam Machado.

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