Alteridade, uma Ética da Escuta

 

concha-ouvir-436

A ideologia de esquerda utiliza um discurso de igualdade-sentimental para justificar a sede de um poder imoral. A ideologia de direita utiliza um discurso de liberdade-individual para justificar sua busca injusta e covarde por enriquecimento se mantendo no mesmo poder, por isso também imoral. Com isso aprendemos que se reduzir a quaisquer ideologias sendo controlado por partidos e pensamentos de massa, faz com que a pessoa se perca de sua dimensão individual provocando desvios éticos.

Isso se dá principalmente porque o pensamento ético é intrinsecamente atrelado a dimensão individual e histórica da pessoa, pois é neste lugar psicológico onde ela irá ter autonomia para avaliar objetivamente suas ações. Agora, o que ocorre quando a pessoa se volta para si e se descobre um ser massificado? Sem individualidade?
Ou ela se empenha em um trabalho de construção de si e por isso ético-estético que sempre é um segredo (não social), mas que justifica seu ser-com-o-outro, ou ela adere a ideologias, as quais fará com que ela não precise pensar e sinta-se pertencente a uma tribo, um lugar onde será aceita mais facilmente.

Aprendemos também que para se colocar de igual para igual com o outro, até mesmo economicamente não é necessário defender uma ideologia, ou até o fato de se aderir a isso, pode revelar justamente o contrário, um desejo inconfesso por dominação.
Aprendemos também que ser um indivíduo livre não significa enriquecer covardemente em detrimento do outro, isso não significa liberdade, mas uma prisão em um amor próprio e narcisista onde não há um outro, portanto não social, psicopático. Pode representar justamente o oposto, um desejo inconfesso por ser amado e por não conseguir o sujeito se lança em uma vingança perversa inconsciente (demissões, coações no trabalho etc).

Todos nós buscamos ser aceitos pelo outro e isso nos insere em um dilema psicológico onde o fato de voltar-se a si pode necessariamente jogar o outro para um plano de fundo, assim como voltar-se para o outro nos joga igualmente para a mesma situação. O que fazer então? Nada! Simplesmente porque esse voltar-se para si insere a pessoa justamente entre esses dois lugares que possuem o mesmo direito, pois não há uma exclusão do outro sem que ocorra uma exclusão de si, pois na Psique, o outro é sempre um outro-em-si, que se faz em si.

“Alma deriva do grego Psyché, que no latim foi traduzido por anima, sendo o ponto de vista da interioridade em qualquer lugar (…) A anima está sempre acompanhada e sua essência só pode ser captada em um contraste”  (DANTAS, 2009, p. 46-47).

E o eu é sempre um eu-no-outro, que precisa do outro para se fazer. Desta forma pensar, sentir e agir sobre esta ótica em que interno e externo se conjugam nos eventos sejam eles quais forem é o pré-requisito principal para que cada um de nós comece a pensar eticamente. Mas isso é sempre um trabalho psicológico, pois nesse âmbito não existe verdade que valha mais ou menos, pois esta sempre se justifica para alguém que a vive.

Um pensamento social não dissocia ideia de relação, mas a relação produz uma nova ideia apesar das divergências, por isso é dialética! Uma atitude social é sempre uma atitude de abertura para o outro, pois todas as verdades se justificam.
Desta perspectiva, ser aceito não é um trabalho fácil e depende mais de um cuidado com como-se-colocar para o outro (atividade passiva), ao mesmo tempo em um cuidado de como-receber este outro (passividade atuante). Assim, para que eu assuma minha verdade preciso ter uma abertura para a do outro, assim como para que eu me abra efetivamente para o outro é necessário que eu assuma minha verdade pessoal e íntima.

Aqui se insere uma ética da escuta, pois considera essa correlação entre eu-outro como uma facticidade pois na medida em que sou afetado por este outro, ele fala da minha própria verdade, ou a evoca em mim. Deste modo a própria constelação de minha verdade através deste outro, justifica o que ele me diz, como verdade necessária e aí se insere a alteridade. Isso porque se sua verdade toca a minha, ambas se reconhecem uma na outra.

A alteridade se mostra como uma com-vivência de uma pluralidade de verdades que existem a partir de suas oposições e que expressam a complexidade da vida. Isso significa que a objetividade de um embate de ideias é proporcional a força ou legitimidade da ideia, ou seja, sua essência. Assim, eu só conseguirei dar a escuta ao outro, na medida em que consigo escutar minha verdadeira verdade, minha singularidade.

 

Quando falamos sobre espaços de escuta, não nos referimos a lugares físicos, mas sobre uma disposição psicológica que re-significa o ambiente tornando-o social. Espaços de escuta são lugares psíquicos em que a relação dialética se estabelece, onde as pessoas consideram e são consideradas.

Múltiplas metáforas podem ser utilizadas como por exemplo a ressonância afetiva, que se mostra como uma reação no outro causada por meu afeto que legitima o significado do contato no momento que ele se dá. Quando dizemos por exemplo que não estamos sendo representados politicamente, ou que estamos sendo roubados, dizemos de um estado de coisas onde a relação social não se estabelece, podendo ser considerado até psicopatia.

A relação social não se estabelece pois a ressonância da culpa que esperamos que este outro sinta não acontece. A relação social não se estabelece, pois a consideração coletiva através da punição dos corruptos, também não ocorre. Este estado de coisas pode ser compreendido como uma sociopatia do poder. Quando o valor que o indivíduo atribui a si mesmo, cinde as intenções de uma relação.

Sob esta ótica, reprimir o contato com as próprias verdades, faz com que o indivíduo também se lance em relações abusivas desconsiderando a si mesmo em uma atitude de descartabilidade de si. Descartar a própria convicção elegendo mentiras convincentes é o mesmo que dar ao outro um poder absoluto através de uma submissão cega.

Aqui aquele que se torna submisso, também não consegue ouvir nem mesmo escutar. Estará apenas no registro do dominado, vítima, inocente, apático, depressivo, porém irado. A ira do passivo-agressivo é aquela ira velada, ninguém a vê, mas sempre está ali. Um mal que corrói sem que se possa ver. Dar o estatuto de dominador ao outro também é uma forma de punir quando este lugar é absoluto.

 

REFERÊNCIAS

DANTAS, André. Psicologia Dialética. Fortaleza. Club de Autores. 2009.

Alteridade, uma Ética da Escuta

Deixe um comentário