Astrologia, Psicologia e Liberdade.

Por Renato Bandola

Psicólogo e Psicoterapeuta 

Tipologia

Nas várias culturas antigas onde o tempo natural imperava e as pessoas utilizavam o céu e a colheita como formas de determinação da vida, a intuição exercia um papel fundamental de orientação no mundo, fazendo com que as pessoas tivessem um tempo certo para plantar, colher, casar, ter filhos e etc. Tudo era regido pela interconexão entre o dado e a imaginação gerando certas categorias ou arquétipos que passou a estruturar o psiquismo possibilitando ao homem se situar em intrínseca relação com sua natureza psicológica, que ainda era inconsciente, por isso aprisionada nos objetos.

Assim surge a astrologia. A princípio como um conhecimento explicativo do real, posteriormente como uma ciência tipológica de descrição de comportamentos. Para os antigos era muito importante saber sobre o amanhã, se o dia seria favorável ou não para determinado trabalho ou relação, assim como hoje, acreditamos na previsão do tempo, nossos antepassados precisavam de um instrumento de mediação com o mundo.

Nos dias atuais a astrologia sofre diversas influências e a principal é a psicologia dos arquétipos de Jung que realizou um movimento contrário no entendimento da mesma. A saber, uma psicologia descritiva dos estados da alma. Quando uma pessoa olhou pela primeira vez para o céu, projetou ali conteúdos que mais tinham a ver com suas atitudes e comportamentos, do que com uma explicação científica. Desta forma entendemos hoje, nós psicólogos, que a astrologia é um sistema de orientação que reflete a relação do Homem com a busca por uma totalidade psicológica, seu Si-mesmo.

A orientação a qual o indivíduo busca ao se interessar por astrologia não é sobre um futuro, mas muito mais sobre caracteres desconhecidos de sua própria personalidade total. O círculo como o arquétipo da perfeição e eternidade foi representado como símbolo na astrologia, na marcação do tempo nos calendários Asteca e Maia, no zodíaco chinês e até na personificação do mundo enquanto uma esfera. O Círculo como a ausência de começo, meio e fim representa a eternidade, também é o símbolo da alma nas mandalas Tibetanas, utilizadas como forma de conexão com um estado superior de auto esvaziamento como nos mostra Jung (2000):

“Em geral, a mandala aparece [nos sonhos e fantasias] em estados de dissociação psíquica ou de desorientação (…). Trata-se evidentemente de uma tentativa de auto cura da natureza, que não surge de uma reflexão consciente, mas de um impulso instintivo”.  

 

Entendendo a astrologia como um mapa simbólico[1] da totalidade do ser humano, debruçamos nosso olhar a procura de um ponto de referência para a auto compreensão. Quando se diz, por exemplo, que meu signo é X, meu ascendente é Y e minha Lua é Z, queremos dizer que no momento em que a pessoa nasceu o céu estava configurado de certa maneira propício para que a pessoa funcionasse de determinada forma e não de outra. Isso irá ditar seu comportamento peculiar e habitual, seu Tipos.

É importante salientar que a descrição astrológica da pessoa se mostra bem genérica e intuitiva para os padrões atuais da psicologia que ao se conjugar com esta, descreve o comportamento de forma muito mais precisa e segura. Não há por hora pesquisas que admitam a veracidade de um mapa astral em correlação com o comportamento de forma estatística, talvez e principalmente pelo fato de a astrologia lidar com imagens e símbolos se fazendo muito mais intuitiva do que exata. Assim a ciência humana enquanto método não se preocupa com a veracidade geral de um fenômeno, mas com seu significado pessoal e subjetivo.

Se observarmos atentamente as imagens astrológicas temos os elementos (água, terra, ar e fogo) como símbolos das qualidades energéticas no psiquismo, logo, saber sobre a intensidade e qualidade do afeto, se é quente ou frio tem muito a ver com tais elementos. Quando alguém se aproxima e é muito falante e expansivo, poderíamos afirmar que é uma pessoa enérgica, vibrante, inconstante como o fogo. Ou podemos descrever alguém calmo, compassivo, envolvente e flexível como uma personalidade aquática, um rio calmo.

Temos também os planetas como símbolos das dimensões da vida humana. A saber, Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Saturno, Marte, Plutão, Urano, Netuno. Os planetas representam símbolos do fluxo da energia. Como a energia dos elementos se personifica na roda astrológica. Eles simbolizam a dinâmica do fluxo energético, atribuem uma qualidade para a manifestação da energia. Por exemplo, quando dizemos que o Sol é o astro principal, o centro, o mais brilhante queremos dizer que esta também é uma qualidade humana. Se o elemento água se conjuga com o sol, poderíamos dizer que uma energia de flexibilidade, fluidez, frescor e compreensão representa o centro da identidade de uma pessoa, sua forma de se situar e se identificar consigo mesma. Quando conjugamos marte com o elemento ar, podemos dizer que atributos tais como raciocínio, abstração, fantasia e até liberdade se manifestam de uma forma agressiva e combativa, características do deus da guerra.

Até aqui não falamos de signos, apenas de elementos e planetas, mas serve de exemplo para dizer que tais imagens têm mais a ver com categorias psicológicas de compreensão do comportamento do que de fato características literais de influência dos planetas. Mais a frente o leitor poderá observar que tais categorias psicológicas ou arquetípicas não são numerosas para a descrição suficiente da personalidade, visto que a própria natureza da consciência não dá conta de conjugar todas essas características em um só entendimento total da personalidade, pois a própria consciência não é total, mas apenas uma parte da personalidade sendo associada a somente o Sol. Por isso o mapa astral é uma roda, pois todos nós temos que percorrer um caminho, uma jornada para nos descobrir.

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Os Signos são doze, dentre eles áries, touro, gêmeos, câncer, leão, virgem, libra, escorpião, sagitário, capricórnio, aquário e peixes. Todas essas imagens representam outras qualidades que se conjugam, pois cada signo representa um elemento. Assim os signos de água são Câncer, Escorpião e Peixes; Fogo: Áries, Leão e Sagitário; Terra: Touro, Virgem e Capricórnio; Ar: Gêmeos, Libra e Aquário. Desta forma a descrição astrológica define: Elemento, Planeta e Signo gerando uma tríade. Em termos simbólicos toda tríade almeja ao retorno a uma unidade, assim como a Trindade Cristã ou a descrição psicanalítica lacaniana de fenômenos psíquicos: Real, Imaginário e Simbólico. O arquétipo da tríade é uma operação psicológica de unificação para a geração de uma compreensão racional.

Assim também funciona o psiquismo. Na descrição psicológica Jung (2008) percebeu que todos os sistemas de caracterização da personalidade, sempre se conjugavam em três ou quatro instâncias, como por exemplo, na teoria antiga dos humores: Colérico, Fleumático, Sanguíneo e Melancólico. Jung, através de suas observações psicológicas e estudo comparado dos mitos e religiões, definiu que psicologicamente poderíamos elencar quatro funções de orientação no mundo e duas atitudes de orientação da energia psíquica. Duas funções de percepção: Intuição e Sensação, duas funções de julgamento: Pensamento e Sentimento e duas atitudes: Extroversão e Introversão. Fazendo isso Jung moderniza e sintetiza todas essas características imagéticas em um sistema de tipologia psicológica conceitual. Ao invés de chamar de funções de percepção e julgamento, prefiro modos de apreensão e significação. É interessante frisar que não existe nenhum sistema de tipologia psicológica, tão completo e conceitual que não seja patologizante como o de Jung.

Assim, o tipos de uma pessoa se configura em modos na forma de uma atitude, um julgamento e uma percepção. Assim um introvertido não pode ao mesmo tempo ser extrovertido, assim como um tipo sentimental não pode ser um tipo pensamento, porém isso não exclui o fato de sermos cada momento de um tipo conforme o contexto e a situação. Mas a teoria dos tipos irá focar em um dominante, ou seja, uma característica que se repete sempre sendo a mais utilizada pelo indivíduo.

Um introvertido intuitivo sentimental por exemplo seria uma pessoa voltada para os dados da fantasia e da imaginação, se posiciona de forma exitante sempre se baseando nos dados internos e em conceitos pessoais na observação dos fatos e pessoas. Preza sempre mais os valores do coração do que da razão. É conservador no sentido de se apegar a memórias significativas e ligado as relações mais significativas, àquelas pessoas que eminentemente a tocaram profundamente.

Tal descrição não se mostra muito diferente da descrição astrológica por exemplo, quando a mesma foca no elemento água (flexível, compreensivo, ponderado) ou na lua enquanto planeta regente (feminino, maternal, intuitivo e misterioso) ou no signo de câncer por exemplo. Porém, as imagens astrológicas são símbolos, já a tipologia é mais conceitual.

Quando uma pessoa se descreve em termos astrológicos sempre observamos que ela fala seu signo solar, seu ascendente e sua lua demonstrando uma conjugação de planeta, signo e ascendente. Porém o ascendente não é um planeta, mas refletia a intuição dos antigos quando estes observavam no horizonte um destino pessoal. Uma intuição de “como eu tivesse indo pra lá”, ou “Tivesse vindo de lá”. Quando alguém nos pergunta nossa ascendência imediatamente pensamos em nossa genealogia sanguínea, ou seja, nossa origem.

Deste modo o ascendente reflete um estado psicológico onde o indivíduo se mostra e se define externamente através de um ideal. Tal ideal representa ao mesmo tempo uma imagem exterior que pode ou não se confundir com a essência da pessoa ou seu caráter próprio. O caráter do ascendente, como ele é vivenciado pela pessoa vai demonstrar se a mesma se diferenciou psicologicamente definindo-se enquanto individualidade quando este aspecto parece próprio.

Assim a ascendência ao mesmo tempo em que é um horizonte existencial é também a morada ancestral. Um paradoxo em que para ser o que se é o indivíduo necessariamente deverá tornar-se aquilo que nunca deixou de ser. Deste modo a imagem exterior ao mesmo tempo em que se faz parcial, reflete também de forma mais imediata à exteriorização da essência da pessoa. A isto nós psicólogos nomeamos, Si-mesmo (Self). Uma origem transcendente a qual paradoxalmente se presentifica como amplitude que sempre existiu ali. Oras, como algo pode existir em nós não-existindo mas nos determinando? Esta é a natureza da verdadeira personalidade, algo que não dá para se definir sem cair em um paradoxo que parece se configurar como uma contradição.

Deste modo assim como na tipologia psicológica poderíamos definir a tríade da personalidade como uma forma mais completa de descrição psicológica que se realiza no quarto elemento completando a descrição do caráter da mesma forma que os atributos (elemento, planeta e signo ou sol, lua e ascendente). Sem que isso ocorra não haveria a possibilidade intuitiva que fosse de determinar se o comportamento de alguém é verdadeiro ou autêntico, pois nada teria um estatuto essencial ou apropriado à mesma.

Tal disciplina tipológica é de tal importância que até mesmo para definirmos ou julgar qualquer que seja a atitude de alguém precisamos de um ponto de referência. Esta referência é construída em uma dialética intrínseca em que na medida em que defino meu Tipo de personalidade, construo naturalmente um ponto de referência para julgar e apreender a personalidade do outro. Definir um outro pressupõe uma diferenciação, começamos a ver as diferenças na medida em que nos tornamos  diferenciados. Os contornos do caráter do outro se tornam nítidos a nós na medida em que conseguimos ver as diferenças para além das estranhezas. Principalmente devido ao fato de nos tornarmos e acolhermos nossas diferenças para com nosso próprio autoconceito.

 

Liberdade nas limitações

Mas afinal de contas para que serve saber sobre isso? Para quê serve saber sobre sol, lua, signo ou tipo dominante de caráter? Muito simples caro leitor. O que você utiliza para saber se seu julgamento diante dos outros e de si mesmo é verdadeiro ou coerente? O que se utiliza para medir ou saber até que ponto tais julgamentos oprimem ou limitam os outros e a si mesmo?

A partir destes princípios básicos da psicologia junguiana vislumbramos o homem enquanto um artífice de si mesmo. Pois suas limitações não sofrem influência somente do meio externo o qual se acredita impróprio. Muito além de uma psicologia das sociedades e instituições, nossas atitudes sofrem uma limitação muito maior. Uma limitação do mundo interior que detém o poder de dar veracidade e vida ao que é vivenciado. Deste modo quando um casamento, um trabalho ou qualquer outra atividade ou área da vida perde energia e significado, se está sofrendo uma limitação que a própria alma impõe.

Desta feita encontrar um ponto de referência para nos descobrirmos enquanto personalidades individuais ou separadas, significa que já conseguimos criar uma própria referência que já estava ali só pelo próprio ato-vontade de descrever-se, ouvir-se, tornar-se. Esta é a natureza das imagens arquetípicas que possuem uma quaternidade ou um círculo como tema.

Neste âmbito da experiência descrever-se ou observar-se tem o significado de possibilitar a liberdade na determinação de si-para-si. Liberdade neste sentido significa estar em consonância com uma limitação interna, que por ser íntima se identifica com o que é pessoal e que por ser pessoal justifica qualquer ato como individual. A única liberdade possível só pode existir a partir da coação da individualidade!

REFERÊNCIAS

JUNG, Carl Gustav. Fundamentos de Psicologia Analítica. Petrópolis. Vozes. 2008.

______________. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis. Vozes. 2000.

Stephen Arroyo. Astrologia, Psicologia e os Quatro Elementos. São Paulo. Pensamento. 2013.

[1] A abordagem simbólica da astrologia considera que as imagens são símbolos que abrem a percepção para um entendimento de princípios anímicos, arquétipos universais por assim dizer (ARROYO, 2013).

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